quarta-feira, outubro 25, 2006

O Pequeno Príncipe na Solanolândia

O nosso querido Antoine, enquanto escrevia “O Pequeno Príncipe”, estava muito preocupado em ilustrar o mais fielmente possível todas as imagens que ele gostaria que conhecêssemos ao ler a sua história. Ele ainda gostava de desenhar (embora algumas pessoas grandes não tivessem o estimulado quando era criança, dizendo que o seu desenho número 1, o de uma jibóia com um elefante dentro, não passava de um chapéu), e dedicou muito do seu tempo à tal tarefa, tanto tempo que acabou se esquecendo de alguns detalhes importantes que aconteceram no meio da jornada do pequenino Príncipe.

Vocês devem perceber que é muito estranho que ele tenha se esquecido de tão importante fato e que esse caso venha a ser contado só agora, nos anos 2000, quando muitas pessoas já não prestam tanta atenção nos livros. Porém, sei que na mesma medida em que vocês percebem isso, vocês sabem que isso não é tão estranho assim, afinal, nós eternas crianças, às vezes achamos muito mais divertido desenhar, já que escrever se torna tão chato de vez em quando e, com certeza, vocês não acharão difícil encaixar esta parte da história na história toda. Mas eu penso, assim como Antoine pensaria, que talvez alguns adultos terão dificuldades em fazer isso. Os adultos adoram números, números de páginas e de páginas na ordem correta. Os adultos são estranhos.

Pois bem. Aconteceu assim:

Quando o Antoine estava aquarelando o desenho do geógrafo (do sexto planeta que o Pequeno Príncipe visitou), ele começou a ficar ansioso para narrar todas as maravilhas e todas as coisas que o aborreciam na Terra. Assim, ele pulou direto a esse capítulo, nos mostrando que ele deveria ter um sério problema de memória, já que não narrou a rápida, mas nem por isso menos importante, passagem do Pequeno Príncipe pelo sétimo dos oito planetas visitados por ele. O nosso Antoine lembrou da passagem só após o livro ter conquistado grande sucesso com o público. Ele a escreveu e depois a deu para mim, enquanto eu passava com o meu balão em cima da sua casa. Ele me disse que não sabia porquê não havia colocado a passagem nas novas edições do livro e, antes que a colocasse no lixo, decidiu passá-la para mim.

Acho que isso aconteceu porque o Antoine já estava velho e, no final das contas, ele já era bem adulto quando escreveu a história do Pequeno Príncipe. Os adultos adoram números, números de páginas e de páginas na ordem correta. Os adultos são estranhos.

Então eu vos escrevo agora a parte que faltava:

A Solanolândia foi o sétimo planeta que o principezinho visitou. Chegando lá, ele encontrou uma grama muito verde e vistosa, uma mesa com um telégrafo em cima e uma cadeira aonde um homenzinho telegrafista vestido com uma camiseta azul e calça jeans estava sentado. O pequeníssimo planeta era todo coberto pela grama e, assim que o Príncipe colocou os pés nele, o telegrafista falou com desespero:

— Não pises na grama! Bem-vindo a Solanolândia.
— Solanolândia?
— Sim, Solanolândia. A terra do Solano.
— E aonde está o Solano?
— Bem aqui. É o meu ego.

O principezinho arqueou as suas sobrancelhas douradas e perguntou:

— Porque eu não deveria pisar na grama se o planeta inteiro é coberto por ela?
— Por que ela está cheia de formigas. Se tu ficares pisando por aí, tu irás acabar com várias delas...

O principezinho não se mexia mais. Enquanto operava o aparelho freneticamente, o telegrafista continuou:

— E aí haveria muitas famílias de formigas sem pai, sem mãe, sem os irmãozinhos...

Houve um breve silêncio.

— E o que fazes nessa máquina?
— Eu escrevo histórias.
— Que tipo de histórias?
— Eu escrevo histórias sobre minha vida e sobre a minha relação com as formigas.

O Pequeno Príncipe sorriu.

— Mas que relação tu terias com elas se tu não podes levantar dessa cadeira para pisar na grama?
— Eu espero elas virem até mim, subirem pelas pernas da minha mesa ou da minha cadeira. Sabe, elas me incomodam às vezes, me dão coceira e me picam. Elas costumam passear pelo telégrafo e depois descem para a grama novamente.
— Tu conversas com elas?
— Elas vêm aqui e depois voltam para a grama. Sempre.

Sendo a resposta não satisfatória, o principezinho repete a pergunta, já que nunca desiste da resposta após tê-la feito:

— Tu conversas com elas?
— Não. Elas são só formigas e elas não falam.

O Príncipe, aborrecido, suspirou:

— Então para quem tu escreves histórias?
— Para os homens.
— Porque tu escreves histórias para os homens?
— Para eles terem vontade de me conhecerem melhor.

Fez-se um silêncio mais duradouro que o anterior.

“Solitário, mesmo, é estar na Solanolândia”, o Pequeno Príncipe pensou. “Não adianta ele escrever histórias para os homens pois eles jamais poderiam pisar na grama do seu planeta. Ele não consegue sequer criar amizade com aquelas formigas que estão sempre interessadas em ajudá-lo em suas histórias, pois ele pensa que elas apenas estão ali para lhe provocar coceiras”.

E no mesmo pé que pisou na Solanolândia, o principezinho voltou a continuar sua viagem, repetindo a si mesmo “As pessoas grandes são realmente esquisitas”.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Ótimo de Verdade

- Eles estão olhando?
- Não, eles estão de olho naquela kombi, fica tranqüila.
- Tá... em baixo da árvore!

Dá uma cuspida na mão, espalha dos dois lados.

- Uhm-hum... Não tem problema, o vento tá soprando pra lá.
- Quer?
- Não.

E elas entram na festa. Felizes, felizes. O dia dela tinha sido ótimo, tinha colocado os trabalhos em dia, tinha esquecido que sofria e já fazia um tempo que não se sentia tão calma. Caminhou muito e a noite estava tão macia que tinha a impressão que nada daria errado.

Como é simpática! Todos queriam saber como ela estava, se o seu coração tinha aceitado bem mais um pouquinho de cola, essas coisas. Estava até brincando, dizendo que da próxima vez ela vai usar esparadrapos e que estava desenvolvendo uma poção de cura para rachaduras no peito.

Mas então... "caaaaaaabroooooooooom".

- Ah! Eu não estou acreditando.

Tudo. Tudo o que ela não queria, alí, materializado num só corpo. Esse é o tipo de coisa que a gente, gente normal, não entende por quê acontece. Tantos lugares, tantas festas, tantas cidades, tantas vias-lácteas! Mas acontece, né? Parece que as coisas vão acabar bem... bom, acho que já acabaram:

A amiga tinha desaparecido. Perdida, tudo começou a girar e o moço ainda teve o discarate de ir puxar assunto, como se fossem os melhores amigos do mundo. Está tudo bem. Tudo bem mesmo. Não há nada de errado. Não, não. Tudo está tão bom e divertido, isso é divertido, olha só que legal... de verdade.

- Vou alí, já volto.
- Mas aquela música...
- Vou alí, já volto.

É verdade, tudo anda tri bem, o dia dela tinha sido ótimo, tinha colocado os trabalhos em dia, tinha esquecido que sofria e já fazia um tempo que não se sentia tão calma. A noite estava linda lá fora, e ela não ia chorar. Não ia mesmo. Com certeza! Pra quê? Não tinha um porquê. Tudo estava maravilhoso.

Senta na mesa. Uma outra amiga aparece e vê a qualidade do lápis preto delineador da Avon.

- Tu tá bem?
- Não.
- Eu percebi, ele tá alí do outro lado.

"Pronto", ela diz, enfim.