sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Sobre estar acordada...

Fé–
Estou até acreditando em Santo, coisa que há tempos eu não fazia.

Identidade–
A estrela que ele marcou em mim ainda está sobre meu ombro esquerdo, leve.

Impressão–
No ar, em que eu nunca voei, perco minhas vistas onde agora há brilho.

Memória–
Frases tão comuns que reduziram-no ao pó do que os outros são agora para mim.

Desejo–
Eu não quero que sumas, eu quero que fiques e que sopres bondade em meu peito.

Atitude–
Segura eu mal seguro a ti. Tênis velhos me fazem sonhar que és persistente.

Temor–
O maior medo de todos é reparar que meus suspiros não são profundos como outrora.


... retira o excesso de esperança.

domingo, fevereiro 11, 2007

Tempo


A tarde estava muito quente.
Deitada, sentiu uma das gotas do seu suor escorrendo da parte de trás do joelho esquerdo para baixo, enquanto assistia pela quarta vez aquele filme na televisão. Ela gosta de rever os filmes que adora. O sofá já estava úmido. Ela odeia o verão.
Muito bem.
Ela foi à varanda e acaba de sentir no seu antebraço esquerdo o primeiro pingo da tempestade que, para alívio do seu calor, está se formando e ela continua, mesmo assim e também porque gosta de se molhar, sentada naquela cadeira de plástico tentando arranjar um meio real de se aproximar de quem ela tanto deseja.
Mas ela é covarde.
Ao invés de apenas dar fim nisso tudo e ir encontrá-lo, ela continua gastando os seus segundos o procurando nas mínimas coisas que vê, escuta, sente... enfim.
Problemas de sonhadores.
Agora mesmo está tocando uma música de uma bandinha que ambos gostam. A rádio é a favorita dela mesmo antes de conhecer aquele merda. Pra completar, ela encara isso como um dos sinais cabalísticos do destino. Tola.
Ela pára e sente a música.
Sente como se fosse as mãos dele encostando em sua face e ombros.
Se arrepia.
Depois, olha para o céu e vê no cinza das nuvens um dos versos que, segundo somente ela, foi inspirado no que eles viveram naquela terça-feira. Vê o vento chicoteando as ervinhas do campo ao lado da sua casa, um terreno vazio. Define naquele momento que quando a chuva começar, ela vai sair andando pelo asfalto à procura do amor da sua vida esperando, ironicamente, que ele esteja com
um guarda-chuva e
uma cartela de Benegripe.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Estrilo

– Tenho que deixar a minha filha com a Senhora.

A jovem mãe faria uma grande viagem. Para onde, ninguém jamais saberia, mas o fato é que ela estava prestes a deixar sua menininha nos braços daquela Senhora que tinha rosto magro e cabelos negros como o vestido de muitos panos que estava usando. A criança não tinha três meses e, com aquela touquinha branca, parecia ser a pessoa mais feliz com a situação. Fitando-a, a Senhora sussurou:

– Claro.

Seu sorriso foi mórbido. As duas mulheres começaram a andar em direção a casa e pararam embaixo de uma parreira, para combinar. Ela entregou a menina, sem vontade, e a Senhora mais uma vez deu um dos seus sorrisos, agora com a menininha nos braços.

– Muito bem – disse a jovem mãe – agora a Senhora já pode me mostrar quem você é... na verdade.

Uma nuvem de pó brotou do chão, circundando com tufos de ar aquela estranha Senhora com o bebê. Da sua face caíra o mau e ela se tornou um azul preto e branco. A jovem mãe, aliviada, até aparentou ser ainda mais jovem, tamanho peso que fora tirado das linhas do seu rosto:

– Eu sempre soube quem a Senhora é. Acontece que eu não tenho opção.

Aquela Senhora, um pouco irritada com suas palavras, estava se deliciando com a menininha dos seus braços. Arrancou um grão verde de uva daquele parreira de verão com seus dedos finos e ofereceu à criança. Esta, olhando fixa em seus grandes olhos azuis, chupou o grão junto aos dedos da mulher. Sorria a valer. E Senhora diz:

– Ela ficará bem.

A jovem mãe acreditou naquelas palavras. Se a Senhora conseguia fazer um bebê comer uvas verdes, então tudo correria bem, sim. Deu as costas às duas e caminhou em direção do portão... sete... doze passos...

– Mãe!

Ela se virou e viu aquela moça. Linda. Cabelos castanhos e olhos amendoados. Um cachorro, preto e branco, começou a latir incessantemente do lado de fora do portão atrás da jovem mãe, que parecia muito calma:

– Quer conhecer seu pai, filha?

O moço estava lá fora, junto aquele cachorro preto e branco. Olhava orgulhoso para a moça, com os olhos tão apertados quanto o chapéu marrom entre suas mãos. De algum modo, todos pareciam ter a mesma idade. Cheiro de chuva já se aproximando sob o céu cinza e a Senhora estava ainda aonde a jovem mãe antes lhe dera as costas, portando uma expressão de trabalho bem feito... satisfação. A moça responde em suave tom:

– Meu pai?
– Sim. Quer conhecê-lo?

A filha puxou a mãe pelo braço e começou a nadar para perto da Senhora preto e branco e, baixinho, disse:

– Meu pai... hoje não.

As duas se olharam. O moço entrou no carro e, triste, foi. A Senhora desaparecera e só nesse momento a jovem mãe notou aqueles dois pontos, agora parando de sangrar, no pescoço da sua filha. Pensou “Minha única filha... mordida por uma Vampira!”.