Quinta-feira. Estamos entrando numa casa antiga, no centro ou em qualquer outro bairro dos arredores da amada Porto Alegre. Cidade Baixa, de preferência. Ela é alugada... bem, talvez. Podemos sentir o pó entrando em nossos pulmões e o cheiro do mofo é sensual nesse momento.
Percebemos que no final desse corredor há uma pequena sala de jantar. As louças estão postas sobre a mesa. Pratos. Copos de cristal. Talheres com o brilho da prata. Candelabros sem velas. Só há duas cadeiras... ele sabia que estaríamos aqui. Provavelmente ateou fogo nas outras. O dia ainda está claro, devem ser umas dezesseis horas, talvez dezessete. Uhm-hum... são extamente dezessete e cinqüenta e três, segundo o cuco da parede aonde também está pendurado um imponente espelho, refletindo toda tua curiosidade.
Todas as luzes estão apagadas. Não por opção, creio. Tudo parece marrom. Bege. Amarelo. É... quase tudo tem cor de tabaco e está iluminado pelos raios de sol que penetram através daquela cortina que o vento está soprando, de leve, em nossa direção. A escada que subiremos agora também tem cor de tabaco e o final dela é escuro. Fico tonta com escadas em caracol e dias meio mornos como este.
Enxergamos cinco portas. Cinco diferentes aventuras. Não sou boa com probabilidades reais e eu tenho que acertar a porta que não nos acusará de intrusos. Seguirei minha intuição e entrarei na porta que é a do banheiro. Quero ver quais porcarias ele toma.
As toalhas estão totalmente secas, a pia também. A tampa da privada está fechada e não há cheiro algum além do sândalo que vem do cesto que acabei de abrir para ver o que haveria dentro. Havia sândalo, e só. A banheira está manchada e o chuveiro é de metal. Vários sabonetes estão espalhados pelos cantos e nenhum foi recentemente aberto.
Nenhum remédio. Ele os esconde. E para minha surpresa a escova de dentes é nova. Colgate, loção pós-barba e pente de plástico verde. Temos sorte. Apesar de velhas, as portas não fazem ruídos.
Reparemos, agora, no carpete ocre e imundo. Sobre ele estão algumas partes de uma locomotiva de brinquedo. Deve ser dos anos oitenta. Vagões. Trilhos. E os trilhos são cinzas. Ele os derrubou levando uma caixa para o sotão.
Coisas sobre o amor passaram pela minha cabeça, agora. Sei que eu o amarei daqui a alguns minutos. Tenho certeza do que vamos encontrar. Sonhei com tudo isto e meus sonhos não mentem. Sei que estamos na casa certa. O número era nítido.
Estou ansiosa. Vamos direto à porta entreaberta, lá nos fundos. A porta está pintada de preto e é de madeira. Uma luz muito, muito fraca está saindo por ela. Sem fazer um som, eu a empurro... e voilá. Lá está ele, como eu imaginava.
TE APRESENTO O MEU AMOR.
O quarto está somente iluminado por uma vela e a vela está quase no fim, sobre a mesa. A mesa e a cadeira... lá no canto. Gavetas trancadas à chave. Papéis que parecem ser amarelos. Sem linhas, please. Um cigarro está aceso e o cheiro é excitante. O nanquim que ele insiste em usar... quase no fim.
Ele está de costas para mim, sentado na cadeira e parece escrever algo... céus... meu poeta.
Porém, antes de chegarmos perto dele para conhecermos o seu rosto, vou admirar um pouco a cama que, em breve, usaremos para esvaecer. Ah... nossos desejos. Nossas mais devassas fantasias... aos lados da cama não há coisa alguma além de roupas sujas e junk food da semana passada. Ela, digo a cama, cheira ao suor dele e agora, graças a mim, respira aliviada. Sabe dos sonhos que ele tem tido.
Chegou a hora. Começo a percebê-lo melhor. Ele tem cabelos pretos, brilhantes e ondulados. Veste calças de veludo roxo e os suspensórios caem quase até o chão. É magro, alto... posso ver o relevo construído pelos ossos dos seus ombros, braços... dos pés também. Ele é amaldiçoadamente branco e as poucas sardas das suas costas formam o desenho da contelação de Escorpião.
Ele larga a pena como se estivesse queimando os seus dedos e então leva as mãos à testa, deslizando-as pelos cabelos até à nuca. A aperta com desespero e força. Olha para o teto e se joga ao encosto da cadeira.
Já é o bastante. E para nós dois.
Enquanto eu chego mais perto, tu ficarás bem aí.
Agora ele pega a garrafa do líquido verde e toma mais um gole. Sinto o cheiro e fico aquecida. Encanto. Ele escuta os meus passos mas não se mexe. Paro ao lado dele. Acabo de avistar a navalha. Não imaginávamos. Sorrio.
- Demorastes!
- Não, não demorei.
Nesse momento ele abre o sorriso mais iluminado sem ao menos ter olhado em minha direção.
Continua olhando para a carta e a carta zomba dele, agora.
A rasga, com energia.
Nos olhamos.
Nos achamos.
Agora nos dê licença.
-26.01.2006-
Percebemos que no final desse corredor há uma pequena sala de jantar. As louças estão postas sobre a mesa. Pratos. Copos de cristal. Talheres com o brilho da prata. Candelabros sem velas. Só há duas cadeiras... ele sabia que estaríamos aqui. Provavelmente ateou fogo nas outras. O dia ainda está claro, devem ser umas dezesseis horas, talvez dezessete. Uhm-hum... são extamente dezessete e cinqüenta e três, segundo o cuco da parede aonde também está pendurado um imponente espelho, refletindo toda tua curiosidade.
Todas as luzes estão apagadas. Não por opção, creio. Tudo parece marrom. Bege. Amarelo. É... quase tudo tem cor de tabaco e está iluminado pelos raios de sol que penetram através daquela cortina que o vento está soprando, de leve, em nossa direção. A escada que subiremos agora também tem cor de tabaco e o final dela é escuro. Fico tonta com escadas em caracol e dias meio mornos como este.
Enxergamos cinco portas. Cinco diferentes aventuras. Não sou boa com probabilidades reais e eu tenho que acertar a porta que não nos acusará de intrusos. Seguirei minha intuição e entrarei na porta que é a do banheiro. Quero ver quais porcarias ele toma.
As toalhas estão totalmente secas, a pia também. A tampa da privada está fechada e não há cheiro algum além do sândalo que vem do cesto que acabei de abrir para ver o que haveria dentro. Havia sândalo, e só. A banheira está manchada e o chuveiro é de metal. Vários sabonetes estão espalhados pelos cantos e nenhum foi recentemente aberto.
Nenhum remédio. Ele os esconde. E para minha surpresa a escova de dentes é nova. Colgate, loção pós-barba e pente de plástico verde. Temos sorte. Apesar de velhas, as portas não fazem ruídos.
Reparemos, agora, no carpete ocre e imundo. Sobre ele estão algumas partes de uma locomotiva de brinquedo. Deve ser dos anos oitenta. Vagões. Trilhos. E os trilhos são cinzas. Ele os derrubou levando uma caixa para o sotão.
Coisas sobre o amor passaram pela minha cabeça, agora. Sei que eu o amarei daqui a alguns minutos. Tenho certeza do que vamos encontrar. Sonhei com tudo isto e meus sonhos não mentem. Sei que estamos na casa certa. O número era nítido.
Estou ansiosa. Vamos direto à porta entreaberta, lá nos fundos. A porta está pintada de preto e é de madeira. Uma luz muito, muito fraca está saindo por ela. Sem fazer um som, eu a empurro... e voilá. Lá está ele, como eu imaginava.
TE APRESENTO O MEU AMOR.
O quarto está somente iluminado por uma vela e a vela está quase no fim, sobre a mesa. A mesa e a cadeira... lá no canto. Gavetas trancadas à chave. Papéis que parecem ser amarelos. Sem linhas, please. Um cigarro está aceso e o cheiro é excitante. O nanquim que ele insiste em usar... quase no fim.
Ele está de costas para mim, sentado na cadeira e parece escrever algo... céus... meu poeta.
Porém, antes de chegarmos perto dele para conhecermos o seu rosto, vou admirar um pouco a cama que, em breve, usaremos para esvaecer. Ah... nossos desejos. Nossas mais devassas fantasias... aos lados da cama não há coisa alguma além de roupas sujas e junk food da semana passada. Ela, digo a cama, cheira ao suor dele e agora, graças a mim, respira aliviada. Sabe dos sonhos que ele tem tido.
Chegou a hora. Começo a percebê-lo melhor. Ele tem cabelos pretos, brilhantes e ondulados. Veste calças de veludo roxo e os suspensórios caem quase até o chão. É magro, alto... posso ver o relevo construído pelos ossos dos seus ombros, braços... dos pés também. Ele é amaldiçoadamente branco e as poucas sardas das suas costas formam o desenho da contelação de Escorpião.
Ele larga a pena como se estivesse queimando os seus dedos e então leva as mãos à testa, deslizando-as pelos cabelos até à nuca. A aperta com desespero e força. Olha para o teto e se joga ao encosto da cadeira.
Já é o bastante. E para nós dois.
Enquanto eu chego mais perto, tu ficarás bem aí.
Agora ele pega a garrafa do líquido verde e toma mais um gole. Sinto o cheiro e fico aquecida. Encanto. Ele escuta os meus passos mas não se mexe. Paro ao lado dele. Acabo de avistar a navalha. Não imaginávamos. Sorrio.
- Demorastes!
- Não, não demorei.
Nesse momento ele abre o sorriso mais iluminado sem ao menos ter olhado em minha direção.
Continua olhando para a carta e a carta zomba dele, agora.
A rasga, com energia.
Nos olhamos.
Nos achamos.
Agora nos dê licença.
-26.01.2006-
Um comentário:
que linda, adoro suas fantasias
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